Aconteceu no Halloween

por Helena Leen

A grande seringueira sob o luar e o caminho de terra
A seringueira, iluminada pelo luar — o refúgio e o começo de tudo.

Cresci ouvindo que, durante uma noite — apenas uma em todo o ano —, o portal entre os mundos era aberto, e toda sorte de criaturas da escuridão passeava pelo nosso mundo livremente. Nunca fui de acreditar nessas coisas, tampouco vi algo que me levasse a crer em tais histórias... até aquele dia.

Lembro-me como se fosse hoje: eu tinha 14 anos, usava tranças para manter meus cabelos compridos ajeitados, e era um pouco diferente das outras mocinhas da minha idade. Não era vaidosa, não me importava com os assuntos do coração; gostava de subir em árvores, andar de bicicleta pelo bairro e, volta e meia, sumir no meio das plantações de arroz do vilarejo em que nasci.

De todos os lugares de que eu mais gostava, um deles era especial. Ao longo de uma trilha estreita de chão batido, lá no fundo — cerca de 30 minutos de caminhada — havia uma árvore enorme: uma seringueira. Suas raízes grossas e galhos possantes chegavam a ser assustadores, mas não para mim. Eu amava a minha árvore. Meu pai havia me mostrado aquele lugar quando eu era pequena, e ele se tornou o meu refúgio.

Com facilidade, eu subia em seu tronco até alcançar os galhos mais baixos e, depois de algum sacrifício, os mais altos, onde me acomodava. Gostava de ler meus livros, escrever em minhas agendas e rabiscar minhas iniciais nos galhos.

Foi em um dia 31 de outubro — o tal dia da abertura do portal. Para mim, era apenas mais um Halloween, ou “Dia das Bruxas”, como chamavam na minha cidade. Acordei como de costume para comprar alguns doces e evitar incomodações com a garotada da vila que adorava pregar peças nas casas onde não deixavam doces no portão.

Fui à venda da esquina e comprei caramelos, jujubas, balas azedas e chocolates variados — uma porção suficiente para os visitantes indesejados e outra para encher as bombonieres de casa e dividir com minhas primas. Depois, voltei para ajudar minha mãe e minha avó com os afazeres, pois logo mais o pessoal da vila se juntaria no coreto da praça central para contar histórias de fantasmas. Era comum, naquela época, nas cidades pequenas, esses eventos reunindo os moradores — com direito a barraquinhas de doces, parque de diversões e até concurso de histórias de terror.

Mas essa história não é sobre o dia... então vamos pular para onde tudo começou: a noite de Halloween.

Beirando as 18h, toda a cidade já estava se aprontando. As mulheres preparavam salgados e doces para encher uma mesa enorme; os homens levantavam tendas — nada poderia estragar a noite das bruxas. A criançada se pintava, vestia fantasias... até os animais de estimação eram enfeitados.

Eu e minhas primas nos vestimos de bruxinhas: meias arrastão, camisas e saias pretas, chapéus e vassouras — e fomos para a praça. Minhas primas, certamente, para olharem os meninos; eu, para pegar os melhores doces.

Tudo estava animado. O som alto chamava o pessoal para a festa. As meninas logo se encantaram por algum garoto. À medida que a noite caía, a praça enchia de gente. Acabei me perdendo delas, mas ah... eu nem ligava. Sempre foi assim. Eu era um tipo estranho, gostava de ficar pelos cantos, observando tudo o que acontecia.

Gostava de reparar nas roupas, nas fantasias, nos olhares entre meninas e meninos, em quem comia mais — e, claro, nas minhas “antenas” sempre ligadas, para ver se algo sobrenatural podia acontecer naquela mesmice toda. Minha família estava envolvida no concurso de histórias; minha avó era uma das moradoras mais antigas e sabia de tanta coisa... aliás, provavelmente inventava a maioria, mas ninguém se importava — o divertido era ouvi-las.

Sentei meio afastada, com meu saco de pipocas, perdida em pensamentos, quando alguém se sentou ao meu lado. Era um garoto. Cabelos longos até os ombros, vestia preto como a maioria, mas não parecia alguém da escola. Certamente era parente de algum morador. Continuei comendo minha pipoca.

— A noite está bonita, não? — puxou assunto o desconhecido.
— Aham — respondi, embuchada.
— A pipoca deve estar boa — disse ele, sorrindo.

Olhei bem para o garoto. Pensei em responder com “quatro pedras na mão”, como diria minha avó sobre minhas más maneiras com meninos, mas não sei por quê... simplesmente respondi que sim e estendi o saco de pipocas.

Ele recusou com um gesto e agradeceu. Continuou a puxar conversa, e quando percebi, estávamos rindo e dando notas às fantasias de quem passava. O garoto disse que se chamava Andrei, tinha 17 anos e morava perto da grande árvore — a minha seringueira. Comentei que era o meu lugar favorito e, para minha surpresa, ele respondeu que também era o dele.

Passeamos pela praça, brincamos nas barraquinhas de tiro. Ele ganhou um lobinho de pelúcia para mim. Depois, fomos na roda-gigante e, lá do alto, avistamos nossa árvore. Andrei me convidou para ir até lá. A princípio, dei uma desculpa — afinal, ele era um desconhecido, e a árvore ficava longe —, mas acabei aceitando.

Já passava da meia-noite; logo eu teria que voltar para casa. Mas, pela primeira vez, eu queria me divertir um pouco mais. Ele era diferente dos outros garotos: educado, gentil, parecia pertencer a outro tempo.

Saímos da praça caminhando em direção à saída da cidade, onde ficava a seringueira. Fomos conversando, admirando a lua. Andrei elogiava tudo em mim, tocava às vezes em minhas tranças, me deixava corada.

Quando chegamos à árvore, ele começou a subir e me estendeu a mão. Fomos juntos até o alto. Nem pensei em morcegos, nem em perigo algum — eu só queria estar ali.

Nos encostamos um no outro e entrelaçamos as mãos.

— Eu nunca vou esquecer esta noite — disse Andrei. — É, sem dúvida, o Halloween mais incrível de toda a minha...
— Vida? — perguntei, olhando em seus lindos olhos azuis.
— Sim, vida — respondeu, desviando o olhar.
— O que foi?
— Nada, não...
— Como nada? Você parece ter ficado triste. Eu falei algo errado?
— Não, não é isso... É que há muito tempo não sou tratado tão bem.

Pude ver o brilho sumindo dos seus olhos, como se algo ruim lhe viesse à memória. Continuamos a conversar, e nos aproximamos. Ele estava frio, então o abracei.

— Mariana... — balbuciou.

De repente, percebi que não havia dito meu nome. O choque me fez afastar bruscamente — quase caí da árvore. Andrei segurou minha mão e me puxou de volta.

— O que está fazendo? Você quase caiu!
— Eu quero descer. Estou com medo.
— Medo de mim?
— Como sabe o meu nome? Eu nunca disse!

Ele ficou em silêncio.

— Estou acostumado a que as pessoas tenham medo de mim... mas, vindo de você, isso dói um pouco.
— Desculpe, não quis magoar. Mas acho melhor voltarmos.
Mariana e Andrei na grande seringueira sob o luar
Mariana e Andrei — dois mundos que se tocam por uma única noite.

Descemos da árvore. Eu ainda tremia — e, mais que medo, sentia uma confusão estranha.

— Daqui eu vou embora — disse ele. — Vou acompanhá-la até mais perto da cidade, mas não volto à praça. Moro para o outro lado.

Caminhamos em silêncio. Às vezes, nossas mãos se tocavam. Eu torcia, no íntimo, para que ele me beijasse. Algo me dizia que eu nunca esqueceria aquele sorriso tímido, aquele olhar, aquele cabelo loiro caindo sobre os olhos.

— A partir daqui você vai sozinha — disse, com voz triste.
— Eu vou te ver novamente?
— Você quer me ver novamente? — perguntou, mostrando um leve sorriso.
— Sim, quero.
— Então, daqui a um ano, no próximo Halloween, me encontra na nossa árvore.

Na hora, não entendi o motivo de tanta espera.

— Andrei, eu tenho tantas perguntas...
— Mas preciso ir. Promete que vai lembrar de mim? Que vai me encontrar no próximo ano?
— Prometo — disse, tocando o rosto dele.
— Mas antes de ir, quero fazer uma coisa... algo que nunca fiz antes. Mas preciso da tua permissão.

Andrei aproximou-se, tocou meu rosto e acariciou meus cabelos.

— Posso te beijar?

Sorrindo, respondi que sim. Fechei os olhos e senti seus lábios frios tocarem os meus. Uma brisa gélida me arrepiou a nuca. Quando abri os olhos... ele já não estava mais lá.

Voltei para a praça, encontrei minha família e fui deitar pensando nele. Estava decidida a procurá-lo ao amanhecer.

Logo que o sol surgiu, transei meus cabelos e pedalei até a nossa árvore. Mas não havia casa alguma por lá — eu sempre soube disso. Segui pela estrada oposta e encontrei outra trilha, mais estreita, que levava a um campo verde. Lá, anos atrás, existira uma igreja.

Subi até o alto da colina. A única coisa que vi foram cruzes e lápides de um cemitério abandonado. Caminhei entre os túmulos até que um me chamou atenção: um túmulo antigo, rodeado de flores de jasmim.

Aproximei-me e senti as lágrimas escorrerem. A foto de Andrei, já esmaecida, ainda mostrava o olhar que eu jamais esqueceria.

Túmulo cercado de flores de jasmim ao amanhecer
As flores de jasmim guardam o segredo de um amor que atravessa mundos.

Andrei Malkovich
03/08/1976
16/09/1993

Deixei as lágrimas rolarem. Agora eu entendia tudo. Voltei para casa levando uma flor de jasmim, que guardei dentro do meu diário.

E minha avó estava certa: algum tipo de portal deve se abrir nas noites de Halloween. A mim, só restava esperar o próximo ano — para sentir novamente suas mãos geladas nas minhas.

Eu estava apaixonada por um fantasma. No ano seguinte, ele voltou. Contou-me sua história, mais tranquilo por não ter sido rejeitado. E voltou no outro ano, e no outro...

Desde então, vivo meus dias esperando por uma noite no ano em que nossos mundos podem se encontrar, se fundir — e, por uma noite, dar vida ao nosso amor.