A Praça Central da pequena cidade de Nova Esperança tinha se transformado. As luzes de LED vibrantes da rotina foram substituídas por um brilho alaranjado e roxo, emanado de lanternas de abóboras disformes e globos de luz piscantes. Teias de aranha falsas, cuidadosamente esticadas por cima de árvores centenárias, balançavam levemente com a brisa fria da primavera, e esqueletos de plástico pendurados pareciam rir silenciosamente de um pedestal. Era a Festa de Halloween da cidade, e Alice, Helena, Pedro e Enzo estavam prontos para a diversão, eram amigos desde sempre, inseparáveis.
Alice estava irreconhecível em sua fantasia de vampira gótica, com lábios roxos e uma capa esvoaçante. Helena, vestida como uma bruxa chique, com um chapéu pontudo e botas de salto, agarrava-se ao braço de Alice, apesar de garantir que não estava nem um pouco assustada. Pedro, um lobisomem com orelhas peludas e dentes protéticos, tentava flertar com as meninas, enquanto Enzo, o mais cético do grupo, usava uma simples máscara de fantasma e parecia entediado.
― Qual é, gente? disse Enzo, revirando os olhos por trás das aberturas da máscara ― o mais assustador aqui é a playlist de músicas que toca há duas horas. Onde está o mistério?
― Não seja estraga-prazeres, Enzo, ― replicou Helena, dando-lhe um beliscão no braço. ― O ambiente está incrível. Sinto que algo pode acontecer.
Mal as palavras saíram de sua boca, um estrondo seco ecoou, abafando a música. Olharam em direção ao centro da praça. A estátua do fundador da cidade, um busto de pedra que pairava sobre um pilar de concreto, parecia ter perdido algo. No chão, aos seus pés, estava a placa de metal com o nome do homenageado, que acabara de cair.
― Uau, que sorte. O prego quebrou ― comentou Pedro, tentando soar casual enquanto olhava ao redor, notando que todos na festa também tinham se virado para o busto.
No entanto, o inesperado continuou. Um segundo depois, a única vela que iluminava a abóbora mais próxima a eles se apagou de repente, embora não houvesse vento. E, imediatamente, o busto de pedra do fundador da cidade pareceu... mover. Não, não a estátua inteira, mas os seus olhos. Por um momento que pareceu uma eternidade, os quatro juraram ter visto os olhos de pedra da estátua piscarem lentamente e, em seguida, voltarem a encarar o vazio.
Helena soltou um grito abafado, e até mesmo Alice, que era a mais corajosa, sentiu um arrepio gelado subir pela espinha.
― Viram isso? ― sussurrou Alice, sua voz tremendo ligeiramente.
― Eu... Eu devo estar imaginando coisas ― gaguejou Pedro, seu rosto de lobisomem agora pálido.
― Isso não foi a música, nem o vento. Aquela coisa olhou para a gente! ― exclamou Enzo, tirando a máscara.
Neste momento, a música parou abruptamente. O silêncio que caiu sobre a praça foi mais aterrorizante do que qualquer som. De repente, a fileira de abóboras que ladeava o caminho para o coreto começou a acender e apagar em um ritmo errático, rápido e hipnótico, parecendo sinais de código misteriosos.
Então, eles ouviram. Não era um grito, nem um assobio, mas uma risada. Uma risada rouca, vinda de lugar nenhum e de todos os lugares ao mesmo tempo, que parecia zombar deles e de todo o medo que sentiam. A risada ecoou pela praça, fazendo as folhas secas no chão farfalharem como sussurros.
Os quatro se entreolharam, o pânico tomando conta. A diversão tinha acabado. A decoração de Halloween da cidade, de repente, parecia perfeitamente real.
― Vamos embora! AGORA! ― gritou Alice.
Sem dizer mais nada, os quatro amigos correram. Não olharam para trás, tropeçando um no outro em meio às teias de aranha e aos enfeites. A risada parecia persegui-los, até que, finalmente, atravessaram a linha da praça e caíram na rua iluminada, onde as luzes de neon das lojas os acolheram com um alívio súbito e reconfortante.
Pararam para recuperar o fôlego, o coração batendo descontroladamente.
― O que... o que foi aquilo? ― ofegou Helena, com o chapéu de bruxa torto.
― Eu não sei, mas não foi uma 'pegadinha' de Halloween ― respondeu Enzo, ainda chocado.
Enquanto se afastavam, deixando a praça sombria para trás, a placa de metal com o nome do fundador na praça começou a deslizar lentamente pela base do pedestal, até se encaixar perfeitamente no lugar, como se nunca tivesse caído. E na escuridão da praça, entre as abóboras que agora brilhavam com uma luz fixa, a risada parou, sendo substituída por um silêncio assustador, esperando pela próxima vítima.
Os quatro amigos tinham descoberto que, em Nova Esperança, o espírito de Halloween era muito mais real e inesperado do que eles jamais poderiam ter imaginado. E, com certeza, nunca mais olhariam para a estátua do fundador da cidade da mesma maneira.
Enquanto caminhavam apressadamente pelas ruas residenciais, o som dos seus passos ecoando no asfalto frio. O alívio de ter saído da praça era palpável, mas uma camada pegajosa de medo persistia.
― Vocês acham que foi... sei lá... o zelador da cidade nos pregando uma peça com efeitos de som e luz? ― tentou racionalizar Pedro.
― O busto piscar? E aquela risada? Não era gravada, Pedro. Parecia... profunda. E estava perto ― respondeu Enzo, sua descrença habitual completamente desfeita.
Alice, com a capa de vampira apertada ao corpo, mantinha os olhos fixos na frente.
― Não importa o que foi. O importante é que estamos longe. É melhor irmos para casa e fingir que esta noite nunca aconteceu.
Helena anuiu, tremendo.
― Concordo. Nunca mais vou a uma festa na Praça Central em 31 de outubro.
Eles chegaram à esquina da casa de Alice. A rua estava estranhamente quieta. As luzes da varanda estavam acesas, mas a escuridão da noite parecia engolir os arredores.
― Pronto, estou em casa ― disse Alice, respirando fundo. ― Vocês querem entrar? Podemos ver um filme e tentar esquecer...
Foi então que um som sutil, quase inaudível, capturou a atenção de Enzo. Era um farfalhar seco. Não vinha das árvores, mas do chão, perto de onde eles estavam parados.
― Silêncio ― murmurou ele, levantando a mão.
O grupo parou, tenso. O som repetiu-se: fsssh... fsssh... Como se algo estivesse sendo arrastado lentamente sobre as folhas caídas, mas sem o peso de um pé.
― Ali... ― apontou Pedro.
Na semiescuridão, eles distinguiram uma sombra movendo-se. Não era um animal. Era algo alongado e curvo, deslizando. Conforme se aproximava da luz fraca do poste, a forma tornou-se mais clara, e o estômago de Alice gelou.
Era uma teia de aranha. Não era uma teia falsa de decoração; era uma teia grossa e cinzenta, pesada com orvalho da noite. Mas o aterrorizante era que a teia estava se movendo sozinha. Ela parecia flutuar no ar a alguns centímetros do chão, sendo puxada por uma força invisível, arrastando as folhas e sujidade para criar um rastro. A teia deslizou até parar exatamente aos pés de Helena.
Helena soltou um grito estrangulado e deu um salto para trás, caindo nos braços de Pedro.
Enzo, pálido, percebeu algo mais. Preso no centro da teia, havia algo pequeno e brilhante que não deveria estar ali: o botão da fantasia de vampira de Alice, um pequeno e prateado ornamento que ela havia perdido ao correr da praça.
A teia parou. O movimento cessou. O silêncio voltou, mas agora estava preenchido pelo som ofegante da respiração dos quatro.
Enzo aproximou-se devagar, os olhos fixos no botão.
― Não é possível... Corremos o quarteirão inteiro. Como... como isto chegou aqui tão rápido?
Ele esticou a mão hesitante para pegar o botão. No momento em que os seus dedos tocaram o fio pegajoso, o ruído agudo e estridente de um motor de cortador de grama, que parecia estar sendo ligado diretamente aos seus ouvidos, irrompeu do quintal escuro de Alice.
Não era um cortador de grama normal. O som era distorcido, alto demais, quase metálico. E não parou; começou a acelerar, subindo de tom num ruído ensurdecedor que parecia vibrar nos seus ossos.
Os quatro taparam os ouvidos. Alice cambaleou para a porta, pegando a chave com as mãos trêmulas.
― Para dentro! Rápido! ― gritou ela, mal ouvindo a própria voz.
Eles se empurraram para dentro da casa, batendo a porta e trancando-a com dois giros rápidos da chave. O som do motor ainda perfurava o ar, vindo do lado de fora.
A luz da sala de estar parecia fraca, mas segura. Os quatro se encostaram na porta, ofegando.
― Aquele som... o botão... está nos seguindo! ― ofegou Helena, lágrimas nos olhos.
De repente, o som do cortador de grama, que estava no auge do seu volume, parou. O silêncio era um alívio, mas um presságio.
Os amigos ficaram em silêncio por um minuto. Então, um clique suave e inconfundível veio da parte de trás da casa. Era o som da porta do jardim de Alice, que estava trancada, sendo destrancada. Lentamente.
E, a seguir, um som mais pesado, abafado pelo carpete, mas que não deixava margem para dúvidas. Passos. Passos firmes e lentos, vindos da cozinha em direção à sala de estar.
O terror gelou o sangue dos quatro, que ficaram paralisados. O horror na praça era brincadeira de criança comparado ao que parecia ter entrado em sua casa. A sombra que avançava pelo corredor não era mais a de um truque de luz. Era alta, imponente, e, conforme se movia, o aroma inconfundível de terra molhada e abóbora podre preencheu o ar.
Eles não precisavam ver. Eles sabiam. O que quer que fosse que os havia assombrado na Praça Sombria, tinha-os seguido até casa. E estava a poucos metros de distância.
Fim.